No dia 8 de setembro de 2017, em Gurugram, na Índia, os pais do pequeno Pradyuman Thakur de sete anos já estavam a postos para levar os filhos à escola logo pela manhã.
O garoto morava com os pais e sua irmã mais velha e frequentava a Ryan International School, a maior rede de escolas do setor privado da Índia. Familiares e amigos descreviam Pradyuman como uma criança afetuosa, inteligente e ativa.
Em um documentário para a Netflix, os pais do garoto chegam a mostrar cartões e presentes feitos pelo pequeno, que eram dados com muito amor a família em datas comemorativas.
As aulas começavam as 8h da manhã, Pradyuman e a irmã acordavam por volta 6h30. Em entrevista, Sushma Thakur, mãe do garoto chegou a dizer que ele tinha bastante dificuldade em acordar cedo, mas que naquele dia estava empolgado com o aniversário de um de seus colegas.
Pradyuman e a irmã são deixados na escola
No dia do crime, Barun Thakur, pai do menino, deixou seus filhos no portão da escola entre 7h47 e 7h55 da manhã. Ele aguardou até que pudesse ter certeza de que os viu entrar e depois voltou para casa.
O trajeto de volta durou cerca de 10 minutos, e assim que entrou em casa o telefone fixo começa a tocar. Ao atender, uma das secretárias da escola, de maneira agitada, pediu que os pais de Pradyuman Thakur compareçam imediatamente à escola.
Durante a ligação o pai pediu para falar com a diretora, que lhe atendeu e disse que seu filho sofreu um acidente: ele foi encontrado inconsciente, sangrando muito e estaria sendo levado para atendimento médico. Os pais imediatamente dirigiram-se a emergência do hospital indicado para encontrar seu filho.
Sushma Thakur, a mãe, conta que neste momento o casal ainda não tinha noção da gravidade e que ela chegou a pensar que Pradyuman estava correndo e intencionalmente acabou caindo em um dos corredores, já que era uma criança bastante ativa.
Enquanto se dirigiam a emergência, os pais receberam outra ligação da escola, comunicando que Pradyuman iria para outro hospital com maior infraestrutura. Neste momento a família começa a entrar em desespero.
Chegando no hospital
Às 8h15, Sushma e Barun Thakur chegaram ao hospital, onde foram recebidos pelos professores que deram os primeiros socorros a Pradyuman e depois levados para a sala de emergência.
Na porta do quarto, o médico responsável autorizou somente a entrada de Barun, informando que a mãe deveria aguardar do lado de fora. Ao entrar, o pai se deparou com uma cena que jamais esqueceria, Pradyuman estava deitado imóvel em uma maca, seu corpo estava coberto de sangue e o lado direito do pescoço estava enfaixado.
Neste momento, o médico retirou as faixas do pescoço do garoto e mostrou ao pai um corte extremamente profundo que ia da metade do pescoço até a base de sua orelha.
Se fosse o filho de outra pessoa eu não teria coragem de olhar para o corpo… Era muito sangue mesmo.
Barun Thakur, em entrevista.
O tipo de ferimento não era algo que poderia ser feito por acidente, nem mesmo por outra criança durante uma brincadeira. O médico comunicou que o hospital nada pôde fazer, já que Pradyuman chegou sem vida.
“Quem fez isso com Pradyuman?”
Os pais ficaram em choque, outras famílias começaram a se perguntar como isso aconteceu dentro da escola, já que era um local tão seguro. Alguns pais de alunos conseguiram até mesmo filmar a cena, um desses trechos aparece na série A Big Little Murder feita pela Netflix, detalhando o caso.
No vídeo é possível ver que o homem vai andando ao lado de uma trilha de sangue em formato zig zag que leva até o banheiro dos alunos menores, marcas de sangue feitas com as mãos aparecem nas paredes.
O rastro segue até uma das últimas cabines do banheiro, lá a lanterna é acesa e pode ser vista uma poça de sangue ao redor de um vaso de chão. É possível ver um pedaço de madeira afiado, possivelmente a arma do crime.
A cena do crime foi completamente alterada, isso porque a polícia não isolou a área corretamente e evidências não puderam ter sido coletadas como manda o protocolo. Pessoas que estavam no local, informaram que antes mesmo das autoridades chegarem, funcionários já haviam limpado a porta de entrada do banheiro.
A entrada da escola só foi completamente bloqueada após a ameaça de populares dizendo que iriam colocar fogo no local. A própria família da vítima revelou que a polícia não agiu com a minuciosidade que deveria.
Faca encontrada na cena do crime
Policiais afirmaram à mídia que uma faca manchada de sangue foi recuperada na área onde Pradyuman foi encontrado, e uma equipe forense examinou o objeto e coletou evidências, incluindo impressões digitais.
O crime teria que ter acontecido em uma janela de no máximo dez minutos, já que assim que chegou em casa o pai já recebeu a primeira ligação da escola.
A primeira teoria foi a de que assim que entrou na escola, Pradyuman foi ao banheiro e lá encontrou algum funcionário da escola cometendo uma atividade ilícita, e que esta pessoa na intenção de não ser descoberto, acabou com a vida do garoto.
As únicas pistas até o momento eram as câmeras de segurança, mas nenhuma delas ficava exatamente no corredor do banheiro, e sim em corredores adjacentes. Imagens recuperadas do corredor perto da cena do crime mostraram Pradyuman tentando rastejar para fora do banheiro, enquanto sangrava pelo pescoço, antes de desmaiar.
Ashok Kumar, o suspeito perfeito
A polícia deteve e interrogou dez pessoas, e observou manchas de sangue na camisa de Ashok Kumar, motorista do ônibus escolar que ajudou a carregar Pradyuman para o carro que o levou ao hospital.
Um vídeo de celular gravado por uma testemunha na cena do crime mostrou autoridades da escola pedindo a Ashok para ajudar a carregar Pradyuman e transportá-lo ao hospital. Ele foi preso em conexão com o assassinato ao meio dia, poucas horas após o crime.
As câmeras de segurança mostraram Ashok nos arredores do banheiro no mesmo horário que Pradyuman teria sido atacado. Ele também foi uma das primeiras pessoas a aparecer na cena do crime, após descobrirem o corpo.
Um pai de aluno relatou a polícia que lembra de ter dito a Ashok para não lavar sua camisa suja de sangue após carregar o menino no colo, pois nela poderiam constar evidências.
Em seguida, o motorista foi visto lavando a roupa em uma torneira. O motivo, segundo ele, era que não suportava o cheiro de sangue.
O vice-comissário de polícia afirmou que Ashok Kumar chegou com um ônibus escolar às 7h50 e foi ao banheiro do térreo do prédio da escola, que era comumente usado por funcionários e alunos.
Segundo a polícia, ele carregava uma faca que havia encontrado no kit de ferramentas do ônibus e tinha ido ao banheiro para enxaguá-la antes de levá-la para casa para uso próprio.
Quando Pradyuman entrou no banheiro, a polícia sugeriu que Ashok tentou agredir sexualmente o garoto e, ao encontrar resistência, assassinou-o com a faca, que foi deixada para trás na cena do crime.
Naquele mesmo dia, ao final da tarde, oficiais da polícia alegaram que Kumar havia confessado o assassinato enquanto estava sob custódia.
Espancado pela polícia
A prisão de Ashok não foi recebida bem pela população local, inclusive a família de Pradyuman Thakur estava descontente com isso, pois não acreditava ser ele o culpado.
Saurabh Raghav, um motorista de ônibus que trabalhava para a mesma escola que Ashok Kumar, afirmou tempos depois que foi pressionado pela polícia de Gurugram a afirmar que a faca encontrada no local do assassinato era parte do jogo de ferramentas do ônibus.
Um exame médico do corpo de Pradyuman Thakur descartou qualquer agressão sexual. Outra testemunha, o jardineiro da escola chamado Harpal Singh, que foi um dos primeiros no local a encontrar Pradyuman, afirmou que não tinha visto nenhuma mancha de sangue nas roupas de Ashok Kumar antes dele ter pego o garoto no colo.
Harpal Singh também afirmou que havia sido agredido fisicamente pela polícia na tentativa de forçá-lo a confessar o assassinato.
Ashok Kumar repetia publicamente que era inocente e não havia cometido o assassinato. Mais tarde, ele afirmou que havia sido torturado pela polícia durante duas horas, e que havia confessado por medo de ser morto, tamanha a violência que sofreu.
Ashok afirmou que não recebeu comida por dois dias enquanto estava sob custódia, e foi repetidamente espancado por policiais.
Jornalistas afirmaram que os policias pareciam ter pressa para encontrar um culpado em tempo recorde, no intuito de silenciar os rumores de que não haviam preservado a cena do crime e nem coletado evidências como manda o protocolo.
Em 28 de fevereiro de 2018, Kumar foi absolvido de todas as acusações relacionadas ao assassinato de Pradyuman Thakur por um tribunal especial.
Transferência da Investigação para o CBI
Ainda em 2017, após grande repercurssão popular negativa sobre a maneira como a polícia estava lidando com o caso e as intensas tentativas de culpar Ashok Kumar, o CBI assumiu o caso.
Inclusive, Ashok foi levado forçado pela polícia a diversas entrevistas de televisão onde verbalizava um discurso repetido e forçado onde confessava sua culpa. Algo bastante contraditório, já que as autoridades fazem de tudo para não expor a pessoa de interesse a fim de não comprometer a investigação.
A família de Pradyuman Thakur afirmou que também havia solicitado envolvimento do CBI para que investigasse a possibilidade de outros alunos da escola terem ligação com a morte de seu filho.
Eles haviam recebido informações de que alguns alunos mais velhos consumiam álcool na presença de alunos mais jovens e ameaçavam os pequenos para impedi-los de contar aos professores.
O CBI enviou uma equipe forense à escola em 22 de setembro de 2017, para revisar as evidências e a cena do crime independentemente da investigação da polícia de Gurugram.
Após a investigação, o CBI identificou uma faca diferente como a arma do crime, afirmando que a havia recuperado na cena do crime e que estava escondida dentro de um dos banheiros. O CBI também revisou imagens da cena do crime e descobriu que havia alguns alunos visíveis nas imagens além de Pradyuman Thakur.
Prisão de um estudante por assassinato
Um aluno foi preso por assassinato, porém ele não teve seu nome revelado. No documentário sobre o caso exibido pelo Netflix, este aluno é chamado de Bolu. Este não é o seu nome verdadeiro, já que ele tinha apenas de 16 anos na época e teve sua identidade protegida. A partir de agora vamos chamá-lo por este pseudônimo para melhor compreensão do caso.
Bolu era conhecido pelos colegas tanto pelo seu talento ao tocar teclado quanto pelo bullyng que sofria por ser um garoto gordo. Ele era alvo de piadas, brincadeiras maliciosas e não tinha amigos.
Colegas relatam que ele estava sempre buscando aprovação da turma, mas não mantinha amizades fixas. Bolu também tinha um histórico de comportamentos estranhos, ele nunca teve boas notas e costumava pagar outros alunos para fazer seu dever de casa.
Como não era um garoto popular, vivia querendo provar a todos o quanto era corajoso e merecedor de atenção. Um colega lembra que certa vez ele lhe mostrou vários cortes em seu braço, vangloriando-se de não sentir dor, como uma demonstração de força.
E como se isso não bastasse, Bolu vivia dizendo pelos corredores que era capaz de envenenar um aluno apenas para adiar as provas escolares do semestre, falas que faziam com que ele ganhasse atenção de seus colegas.
Bolu foi um dos primeiros a chegar ao local do crime e foi ele que informou professores de que outro aluno estava ferido.
Motivação do crime
Com base em imagens das câmeras escolares, o CBI questionou o estudante não identificado, que podia ser visto na filmagem saindo do banheiro na hora em que o crime foi cometido.
A faca recuperada no banheiro havia sido comprada por Bolu em um mercado local, alguns dias antes. O CBI declarou ainda que, ao ser interrogado, Bolu havia confessado o assassinato na presença de seu pai, testemunhas independentes e um oficial de assistência social juvenil.
A motivação do crime teria sido o baixo desempenho escolar do garoto, uma vez que já estava de recuperação em três disciplinas e no dia do crime teria mais um exame agendado, para o qual não estudou. Bolu teria matado o pequeno Pradyuman apenas para adiar a avaliação escolar naquele dia.
Prisão de autoridades escolares
Após o assassinato de Pradyuman Thakur, pais de vários alunos registraram uma queixa policial afirmando que a escola havia sido negligente na manutenção das medidas de segurança.
Eles apontaram particularmente um muro desmoronado que permitia o acesso ao terreno da escola, bem como várias câmeras de segurança que não estavam funcionando por falta de manutenção. Vários funcionários foram presos.
Pradyuman Thakur segue sem justiça
A fim de determinar como o julgamento iria prosseguir, o Conselho de Justiça Juvenil criou um comitê que incluiu um psicólogo para uma opinião especializada sobre o acusado.
Em 11 de novembro de 2017, o estudante foi colocado em um lar juvenil para observação, seguindo uma ordem de um tribunal juvenil de Gurugram.
Depois de realizar avaliações sobre o estado mental e físico do aluno não identificado, o Conselho de Justiça Juvenil declarou em 20 de dezembro de 2017 que ele seria tratado como adulto e passaria por um julgamento regular no tribunal.
Após a interposição de diversos recursos, todos os procedimentos do caso foram suspensos até que se decidisse se o estudante deveria ser julgado como jovem ou adulto. Em novembro de 2021, o processo de julgamento ainda não começou, pois o Supremo Tribunal não tomou uma decisão a esse respeito.
Documentário Big Little Murder
O objetivo de A Big Little Murder não é apenas conscientizar as pessoas sobre o incidente. De certa forma, a série envia uma mensagem aos telespectadores sobre a segurança das crianças nas escolas. Também fala sobre a eficácia das autoridades. Vários relatos de pessoas diferentes abrem um diálogo sobre o mesmo. […]
A série também abre um diálogo sobre saúde mental e o mundo que foi criado para crianças pequenas. O que é de partir o coração é ver os pais da criança falando sobre isso na frente da câmera. O pior pesadelo de um pai é algo acontecendo com seus filhos. Em última análise, o motivo que o segundo suspeito dá surpreendeu a todos. O caso recebe mais cobertura do que já teve.
Review sobre o documentário postado em leisurebyte.com
Infelizmente o documentário não está disponível para os assinantes brasileiros do Netflix, mas é possível assistí-lo usando o VPN do Japão.