Mãe exemplar: assim que Ingrid Lyne costumava ser chamada. Ela nasceu em 2 de
agosto de 1975, na cidade de Renton, Washington.
A família de Ingrid Maree Rounsaville mudou-se de endereço enquanto ela ainda era pequena, devido a isso cursou o ensino médio em Tucson e desde pequena seu sonho era ser enfermeira.
Ingrid se formou em Ciências de Enfermagem no ano de 1997 na Universidade do
Arizona, Estado onde passou sua infância e adolescência.
No ano de 2000, três anos após a formatura e em busca de um emprego bem
remunerado, Ingrid retorna a Washington onde conhece Phillip Lyne que seria seu
futuro marido. O casal teve três filhas, as meninas se chamavam Noelle, Brooke e
Reese e tinham 12, 10 e 7 anos na época do caso.
Em 2014, após um divórcio amigável, Ingrid e Phillip decidem seguir rumos diferentes
na vida apesar de dividir a guarda das filhas e cultivar uma relação amistosa. Pessoas
da família disseram que eles eram muito próximos, e que frequentemente trocavam
mensagens e ligações. Era bastante comum que Ingrid compartilhasse detalhes
pessoais de sua vida com Phillip, já que via nele não só um ex-marido mas um grande
amigo.
O trabalho como enfermeira no Centro Médico Sueco de Seattle exigia muito do
tempo de Ingrid, e além de Phillip ela também podia contar com a ajuda da mãe,
Jorga Bass, como rede de apoio. O ambiente em que viviam era bastante familiar, mas
Ingrid sentia falta de alguém para dividir a vida a dois.
Na época do caso, Ingrid tinha 41 anos de idade, atuava como enfermeira em um
emprego que amava e já havia adquirido sua estabilidade financeira. Ela decidiu, então,
que seria uma boa ideia abrir espaço para o amor novamente.
Ingrid criou um perfil em um aplicativo de relacionamento e, como de costume, trocou
mensagens com diversos homens que possivelmente se encaixariam no que ela
buscava: um parceiro amoroso que aceitasse suas filhas e tivesse interesse em um
relacionamento sério. Foram várias tentativas sem sucesso.
Alguns dias após seu cadastro no aplicativo, um homem lhe chamou a atenção: John
Robert Charlton de 39 anos. Ele morava em Seattle, tinha uma irmã e era filho de pais
militares, tendo sido educado com valores rigorosos em casa.
Quem era John Charlton?
Os pais investiram na educação de John e de sua irmã Shannon, projetando altas
expectativas para suas carreiras no futuro, mas logo na adolescência, John já
demonstrou fugir do padrão esperado.
Ele parecia acumular sentimentos reprimidos, talvez pela educação rigorosa, onde não
havia espaço para questionamentos, ou até mesmo por ter uma personalidade
bastante forte.
O garoto problemático se tornou um adulto viciado em drogas. Em 1997, John deu
início a uma ficha criminal extensa, acumulando antecedentes em seis estados
americanos, incluindo condenações por roubo qualificado, furto qualificado, furto
qualificado de automóvel, agressão e furto de terceiro grau.
Em 24 de junho de 2006, na cidade de Lyon, Mississippi, John teve a primeira de suas
muitas passagens pela cadeia. Uma mulher estava em seu carro na companhia de um
bebê, aguardando o marido na saída de uma livraria. De maneira súbita, John se
aproximou do carro e ordenou que a mulher saísse do veículo.
A polícia foi avisada e seguiu John pela interestadual 15 até Riverdale, no estado da
Geórgia. Ao parar em uma loja, ele recebeu voz de prisão por furto qualificado. Na
ocasião, foi sentenciado a uma pena de 1 a 15 anos, mas, por brechas na lei, acabou
cumprindo apenas 21 meses de prisão.
Em 24 de junho de 2008, ele já estava livre, e, apenas alguns meses depois, cometeu
seu segundo roubo em Montana, sendo também acusado de agressão em Idaho. John
estava novamente atrás das grades e, dessa vez, após cumprir três anos e meio de
reclusão, foi libertado no ano de 2012.
John era um homem bonito, charmoso e sedutor, segundo várias de suas exnamoradas que prestaram depoimento à polícia. Não demorou muito para que ele
percebesse que sua aparência e modo de agir lhe renderiam sucesso em outros tipos
de crimes.
Se, antes de ser preso, John já vivia em um cenário inconstante, isso não melhorou
após sua liberdade. Ele não costumava permanecer muitos meses no mesmo emprego,
e foi em um desses trabalhos que conheceu uma garota chamada “Heather”.
Os dois tiveram um romance rápido. “Heather” disse que John nunca lhe fez mal
diretamente, mas ela tinha um sexto sentido muito forte que lhe dizia que algo não
estava certo. Após algum tempo, ela decidiu seguir seus pressentimentos e pôs fim ao
relacionamento.
Muitas mulheres que se relacionaram com John, além de Heather, prestaramdepoimento à polícia. Seus relatos deixavam evidente a natureza violenta e o abuso de
álcool e drogas que tornavam a vida de John instável. Várias garotas disseram que era
comum ele dormir na rua por vários dias consecutivos e não se importava com a
situação de sem-teto. Além disso, ele gostava de se gabar de alguns crimes graves que
havia cometido.
Na época do caso de Ingrid, John passava alguns dias dormindo na rua e, em outros,
era acolhido por Heather, com quem mantinha uma relação amorosa informal.
Encontro fatal
Após alguns dias de conversa, John e Ingrid decidiram se encontrar para assistir a
um jogo de beisebol dos Seattle Mariners em 8 de abril de 2016, uma sexta-feira.
Um dia antes, na quinta-feira, Ingrid contou a alguns amigos sobre sua programação,
organizou seu horário de trabalho e conseguiu folga para o sábado, já que o encontro
poderia se estender e ela chegaria tarde em casa. A mãe pediu ao ex-marido que
ficasse com as meninas no dia seguinte, e ele concordou em buscá-las.
O casal se encontrou por volta das 19h e assistiu ao jogo conforme o combinado.
Tudo parecia estar indo tão bem que eles decidiram tomar algumas bebidas em um
bar não muito longe dali.
Por volta das 22h35, Ingrid enviou um SMS para uma amiga dizendo que estava tudo
bem e que não precisava se preocupar. Após esse horário, deduz-se que as coisas
começaram a sair do controle.
Desaparecimento
Na manhã de sábado, 9 de abril de 2016, por volta das 10h, Phillip levou as filhas de
volta conforme o combinado. Ao chegar na residência, ele percebeu que o carro de
Ingrid não estava estacionado na frente de casa, e ela também não atendia as ligações
do ex-marido.
Tudo aquilo parecia muito estranho, já que Phillip e a ex-mulher tinham liberdade o
suficiente para que ela o avisasse caso decidisse dormir fora de casa ou houvesse
alguma mudança de planos.
Já bastante preocupado, ele decidiu ligar para a mãe de Ingrid. Rapidamente, ela
chegou ao local e, com uma chave reserva, conseguiu abrir a porta. A bolsa e o celular
de Ingrid estavam na casa, e Jorga passou a averiguar o histórico de chamadas no
celular da filha.
Ela encontrou diversos registros relacionados a John e então lhe enviou um SMS. John respondeu dizendo que, de fato, os dois haviam se encontrado, mas que, ao final do
jogo, se despediram e ele foi para sua casa. Quando a mãe de Ingrid informou a John
que comunicaria às autoridades sobre o desaparecimento da filha, ele pareceu se
sentir apreensivo e acuado.
Partes do corpo encontradas
A pouco mais de 20 km da casa de Ingrid Lyne, um homem chamado Mike Novasion
estava separando o lixo que iria descartar nas lixeiras em frente ao local onde morava.
Ele achou estranho haver três sacos brancos de lixo orgânico em um dos tonéis
destinados apenas ao lixo reciclável.
Com a intenção de corrigir o erro de algum vizinho distraído, Mike decidiu pegar os
sacos e colocá-los na lixeira correta. Logo ao pegar o primeiro saco, percebeu que ele
era estranhamente pesado e estava lacrado de uma forma peculiar.
Mike notou que era possível enxergar o contorno de um rosto conforme pressionava o
saco. Junto com um vizinho, abriram a embalagem e se depararam com algo
simplesmente aterrorizante.
Atordoados, chamaram a polícia rapidamente. Em poucos minutos, um esquadrão
policial já havia se formado no local, e os médicos legistas encontraram uma perna,
um pé, metade de um braço e uma cabeça humana.
Ainda sem saber o paradeiro de Ingrid Lyne, amigos e familiares estavam mobilizados
em realizar buscas e divulgar informações que pudessem levar ao seu paradeiro.
Enquanto isso, John apareceu na casa de sua ex-namorada. Ela notou que ele estava
com o lábio inchado e, ao questioná-lo, ele respondeu que havia se envolvido em uma
briga para se defender de um assalto na noite anterior.
A comunicação entre os distritos policiais e o compartilhamento massivo de postagens
contendo a foto de Ingrid levaram as autoridades a rapidamente juntar as peças. Os
restos mortais na lixeira pertenciam a Ingrid Lyne.
Um mandado de busca foi emitido para a residência da vítima. Lá, foram encontrados
uma embalagem de sacos de lixo quase vazia, da mesma marca dos encontrados na
cena do crime. Também havia respingos de sangue na banheira, e o mais estranho de
tudo era o fato de uma serra de poda, com restos de sangue, tecido e osso, estar
apoiada em uma das paredes do banheiro.
Buscas no computador pessoal de Ingrid permitiram rastrear seus últimos passos,
levando os investigadores a uma página de compra de ingressos para um jogo de
beisebol na sexta-feira passada.
Como muitos dos crimes contra as mulheres são cometidos por seus parceiros atuais
ou ex-parceiros, Phillip Lyne foi investigado, mas rapidamente descartado como
suspeito.
No final do dia 11 de abril de 2016, a primeira segunda-feira após o crime, o carro de
Ingrid foi encontrado em um estacionamento no centro de Seattle. Foi possível coletar
três impressões digitais das maçanetas do carro, e um punhado de sacos de lixo
branco foi recolhido do porta-malas do veículo.
John é entrevistado
Os investigadores tiveram acesso ao perfil de John no aplicativo de relacionamentos,
onde ele deixava claro que não queria nada sério e estava ali apenas para conhecer
pessoas.
Durante a entrevista, uma das primeiras perguntas feitas pelos policiais foi sobre o
endereço fixo de John. Ele disse em depoimento que era sem-teto e costumava dormir
em abrigos, casas de amigos e, eventualmente, até na rua. Os policiais notaram que
John tinha o lábio inchado, um ferimento na cabeça, além de arranhões e escoriações
espalhados pelo corpo.
O rumo da conversa começou a mudar, e, quando os investigadores mencionaram o nome de Ingrid, John pareceu imensamente desconfortável. Contrariando a versão
contada por SMS para Melissa, ele informou que, após o término do jogo de beisebol,
ele e a moça que havia recém conhecido pegaram um ônibus e foram para a casa
dela.
Um tanto confuso, ele disse aos policiais que acredita ter tido relações íntimas com a
vítima, mas não sabia precisar ao certo devido ao consumo de álcool naquela noite.
Ingrid teria dito que ele deveria ir embora, pois não queria apresentá-lo às filhas que
chegariam na manhã seguinte.
Ela o levou até o centro da cidade de carro e o deixou em frente a um prédio. John
complementou, dizendo que na manhã seguinte mandou um SMS para Ingrid
perguntando se ela havia dormido bem. Momentos depois, solicitou a presença de um
advogado.
O que acontece a seguir aumenta as suspeitas sobre o comportamento instável e
impulsivo de John. Logo que os policiais deixam a sala, o morador de rua estende um
casaco no chão e tira uma soneca.
Enquanto isso, os resultados da análise forense revelam que uma das impressões digitais retiradas da maçaneta do carro pertencia a John. A partir dessa combinação,
ele teve sua prisão preventiva decretada e uma fiança fixada no valor de 5 milhões de
dólares.
Outras partes encontradas
Após a prisão de John, alguns amigos e ex-namoradas procuraram a polícia a fim de
colaborar com as investigações. Apesar de detido, ainda não havia nada concreto que
colocasse o acusado na cena do crime ou muito menos o caracterizasse como o autor.
Em 12 de abril de 2016, uma juíza responsável pelo caso decidiu não acolher o pedido
da defesa e alegou que John Charlton seria mantido preso, pois havia uma causa
provável para que ele estivesse ligado ao homicídio de Ingrid Lyne.
No dia 18 de Abril, um homem recebeu uma ligação de seu vizinho, onde ele afirmava
ter encontrado “pedaços humanos” em sua lixeira. Um torso com um piercing no
umbigo estava novamente embalado em um saco branco, e o corpo correspondia a
descrição da vítima.
Iniciou-se então uma busca por provas que pudessem ligar John a autoria do crime. A perícia retornou à casa de Ingrid e começou uma nova busca minuciosa por evidências
e também tentou traçar uma linha do tempo que pudesse determinar hora e causa da
morte.
O encanamento do banheiro foi removido e verificou-se a presença de uma grande
quantidade de sangue no sifão. Um reagente chamado BLUESTAR®, utilizado para
revelar a presença de plasma sanguíneo, foi aplicado no piso do banheiro, revelando
uma tentativa de limpeza com o uso de alvejantes e outros produtos de limpeza.
O relatório preliminar da autópsia indicou que a causa da morte seria “violência
homicida”; porém, a cada novo exame das partes do corpo, os peritos encontravam
mais detalhes, como petéquias nos olhos e marcas no pescoço.
Somado a isso, o teste toxicológico revelou que Ingrid não havia usado drogas nem
ingerido qualquer medicamento. Os exames determinaram apenas uma quantidade
moderada de álcool no sangue.
Não demorou muito para que os peritos tivessem total certeza de que Ingrid foi
sufocada até a morte e, logo após, teve seu corpo fragmentado dentro da própria
casa.
Julgamento
Em 2 de outubro de 2017, John se declarou culpado por homicídio em primeiro
grau de Ingrid Lyne. Apesar de tal atitude indicar um possível remorso ou
arrependimento, essa era apenas uma estratégia da defesa para abreviar o julgamento
e, talvez, diminuir a pena.
A família da vítima foi amplamente devastada durante a deliberação, já que os
detalhes do crime precisaram vir à tona através da promotoria. Durante os meses que
antecederam o julgamento, amigos e familiares realizaram vigílias e homenagens a
Ingrid. Ela era lembrada como uma mãe dedicada e uma pessoa gentil, sempre
disposta a ajudar não só seus pacientes, mas a todos que a procurassem.
A audiência de sentença ocorreu em 5 de janeiro de 2018. Com a presença de seus
pais Ray e JoAnn entre os presentes, John realizou uma fala breve durante o
julgamento. Ele não chegou a se desculpar, apenas disse que nada do que ele pudesse
fazer ou dizer seria capaz de aliviar o sofrimento da família Lyne.
Phillip Lyne recebeu o direito de falar no tribunal. Ele acusou John de ferir a infância
de suas filhas, impedindo que elas crescessem com a presença da mãe. Ele ainda
complementou, dizendo que Ingrid era uma boa pessoa e jamais deveria passar por
tamanho sofrimento.
Nancy, uma das melhores amigas de Ingrid, acusou John de ser um covarde. Ela disse
que, além de matar uma mulher indefesa, ele preferiu eximir-se de sua
responsabilidade, colocando a culpa na bebida durante o interrogatório policial.
Por último, John Charlton foi sentenciado a 27 anos e 9 meses de prisão. Apesar de
todos os esforços dos defensores para diminuir a pena, a juíza Julie Spector acatou a
recomendação da promotoria, impondo-lhe a punição máxima que ele poderia receber
segundo as leis do Estado.
A sentença não foi recebida muito bem pela população; muitas pessoas consideraram
extremamente injusto cometer um crime de tamanha crueldade e estar de volta às
ruas aos 66 anos de idade.
John nunca revelou o motivo, a cronologia ou o local onde as demais partes do corpo
estariam. Atualmente, ele cumpre pena na Penitenciária de King County, em
Washington.