Alicia Kozakiewicz nasceu em 23 de março de 1988, em Pittsburgh, Pensilvânia. A garota conta que sua infância foi maravilhosa, os pais sempre estiveram presentes para ela e os irmãos. Alicia era apaixonada pelos filmes da Disney, e não era incomum que você a encontrasse cantando para os pássaros ou sonhando com a vida de uma princesa.
No início dos anos 2000, a popularização da internet já era uma febre entre os jovens dos EUA. O irmão de Alicia costumava jogar online e foi ele quem lhe apresentou o mundo das redes, onde além de se divertir você poderia conhecer pessoas novas.
Os pais de Alicia acreditavam que a internet não era um problema. Apesar de frequentemente alertar os filhos sobre os perigos de conversar com estranhos, eles nunca proíbiram o acesso das crianças.
Fazendo novos amigos
O ano era 2001, Alicia estava com 13 anos de idade e acessava salas de bate papo com pessoas do mundo todo. Numa dessas conversas ela se aproximou de um garoto da sua idade, ele parecia ter os mesmos gostos que ela e os dois conversavam por horas, trocando conselhos e experiências de vida.
Na época do caso, Alicia já conversava com este garoto há nove meses. Para seus pais não havia nada de errado, já que eventualmente a mãe inspecionava as conversas no computador, conhecia a foto dos amigos e tinha uma relação transparente com a filha.
Feliz ano novo?
Em 31 de dezembro de 2001, a família Kozakiewicz estava reunida em casa para as celebrações do ano novo. Era uma tradição familiar que todos comemorassem juntos e comessem pratos feitos à base de carne de porco.
Logo após o jantar, Alicia disse à mãe que estava com dor de estômago e perguntou se poderia deitar. A mãe consentiu e disse à ela que daqui há alguns minutos deveria retornar para sobremesa.
Ao invés de ir para o quarto, a garota seguiu pelo corredor da sala em direção à porta da frente e saiu para o quintal. O que ninguém sabia era que Alicia tinha marcado um encontro com seu amigo da internet.
Alicia não tinha o costume de sair sozinha à noite, e nesta ocasião fazia muito frio e nevava em Pittsburgh às 19h. Ela caminhou cerca de um quarteirão e algo soou como uma intuição que a mandava voltar para casa. A garota deu meia volta e quando estava prestes a tomar a direção contrária, ouviu uma voz masculina chamando seu nome.
O pesadelo começa
Em questão de segundos, Alicia disse que já estava dentro de um carro com um desconhecido. Enquanto isso, na casa da família, a mãe já havia dado falta da filha e rapidamente avisou a polícia.
As autoridades fizeram uma varredura na casa, não havia sinais de luta ou arrombamento. Como procedimento padrão, os policiais disseram que provavelmente ela estava na casa de uma amiga e retornaria pela manhã. Segundo eles, não havia motivo para tamanha preocupação.
Dentro do carro, o sequestrador apertava firme a mão de Alicia enquanto ela podia ver que ainda estava no mesmo bairro de sua família. Por alguns instantes, ela pensou que poderia apenas ser uma brincadeira e que aquele homem só daria uma volta no quarteirão e depois a levaria para casa.
Quando a garota percebe que a paisagem na rua já é desconhecida, o medo começa a tomar conta de seu corpo. Alicia entra em desespero e começa a gritar e chorar e só se cala depois que o homem a ameaça de morte.
Após algumas horas de viagem, ela percebe que está em uma praça de pedágio. Alicia acreditou veemente que alguém notaria algo de errado, mas isso não aconteceu.
Cárcere privado
Após dirigir cerca de cinco horas, de Pittsburgh na Pensilvânia até Herndon na Virginia, o homem estacionou seu carro no quintal de uma casa e arrastou Alicia para dentro. Ela lembra de ser puxada e logo após empurrada para um cômodo abaixo do primeiro piso, que teria entre um a dois lances de escada.
O quarto era trancado com cadeado e nesse momento Scott Tyree, um homem de 38 anos, abusa sexualmente de Alicia pela primeira vez.
“Isso vai ser muito difícil para você, está tudo bem, pode chorar.”
Palavras do sequestrador para Alicia, antes de cometer o primeiro abuso.
Logo após o primeiro abuso, o sequestrador acorrentou Alicia no chão, espancou, molestou e a torturou durante quatro dias. A garota chegou a tentar fugir, mas teve seu nariz quebrado e a confirmação de que sua vida estava nas mãos de um criminoso.
Scott Tyree
Scott William Tyree nasceu em 1963 como filho de Erma Tyree. Em 1981, concluiu seus estudos na Westmoor High School. Com duas uniões conjugais no histórico, Tyree era pai de uma menina de 12 anos.
Durante as férias de inverno, a menina permaneceu sob sua custódia, mas foi devolvida à mãe no mesmo dia em que Tyree sequestrou Kozakiewicz, antes da ceia de ano novo. Na ocasião do sequestro, ele já estava divorciado.
Sua primeira esposa, Sarah Tyree, descreveu-o como um “indivíduo clássico e aficionado por informática”, com fascínio por ficção científica e jogos de computador. Ela assegurou que ele não tinha registros anteriores com a lei.
Medo e desespero
A essa altura, os pais de Alicia já estavam suspeitando de que ela pudesse ter conhecido alguém mal intencionado pela internet. O computador da filha foi levado para a polícia, mas infelizmente não trouxe nenhuma pista.
Os pais decidiram então confeccionar cartazes com a foto da vítima. Estes foram distribuídos pela cidade, e o caso chegou as grandes mídias de televisão através da ajuda do Centro Nacional de Crianças Exploradas e Desaparecidas.
Em 4 de janeiro de 2002, Scott disse à Alicia que ele estava começando a gostar dela e que mais tarde os dois fariam um passeio após o trabalho. Esse foi também o primeiro dia em que Alicia recebeu água e comida do sequestrador.
Após Scott sair para o trabalho, Alicia passou o dia chorando e rezando. Ela acreditava que o abusador a levaria para um local remoto e acabaria com a sua vida.
Resgate
Às 16h10 do dia 4 de janeiro de 2002, Alicia começou a ouvir barulhos fortes na casa, era como se vários homens estivessem no local e forçassem as portas. Rapidamente o medo toma conta de seu corpo e ela rolou para debaixo da cama, pois pensou que Scott havia mandado alguém para lhe matar.
Alicia ficou em completo silêncio enquanto ouvia uma voz masculina que dizia “Não tem ninguém aqui, está tudo limpo!”. Segundos depois a mesma voz fala “Esperem, tem movimento aqui!”
A jovem entra em pânico quando percebe que botas estão bem a frente da cama onde ela estava escondida. O homem ordenou que ela saísse, Alicia rolou para fora da cama e ao mesmo tempo em que erguia seus braços, tentava cobrir o corpo completamente nu.
Uma arma estava apontada para seu rosto e ela achou que de fato esse seria seu fim. Quando o homem virou de costas, ela pôde ler em sua jaqueta as iniciais “FBI”, e segundos após o cômodo estava lotado de policiais que soltaram as correntes e cobriram seu corpo.
Salva por outro criminoso
Tyree filmou um dos abusos que cometeu contra Alicia e o transmitiu online, ao vivo via streaming de vídeo para que outras pessoas pudessem ver. Um dos telespectadores reconheceu Alicia devido aos cartazes espalhados na rua.
Ele foi a um telefone público, ligou para a polícia e denunciou o nome de usuário que Scott usava nas redes. Velozmente, as autoridades conseguiram relacionar o número de IP ao endereço do sequestrador em Herndon.
Scott Tyree foi preso meia hora depois em seu local de trabalho.
De volta pra casa
Após seu resgate, Alicia Kozakiewicz foi examinada em um hospital e liberada sob custódia dos Serviços de Proteção à Criança do Condado de Fairfax. Seus pais, Mary e Charles Kozakiewicz, não puderam pegar um voo comercial para se reunir com sua filha devido à crescente atenção da mídia.
Eles foram levados de avião particular pelo FBI no dia seguinte, mas a angústia de Alicia era tanta que ela passou a noite pensando que os pais não vieram porque estavam com raiva e não a amavam mais.
Na sequência, Kozakiewicz desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e perda significativa de memória. Grande parte da sua vida que antecedeu o sequestro é difícil ou impossível de recordar.
Alicia passou por longos anos de terapia. Já adulta, ela disse que em 2002 as pessoas achavam impossível entender como isso havia acontecido e como ela havia sido manipulada; eles responsabilizaram principalmente a vítima, embora algumas pessoas a apoiassem e entendessem que ela nunca foi a culpada.
Julgamento e prisão
Em setembro de 2003, Tyree foi condenado a 19 anos e 7 meses de prisão. Ele foi libertado em fevereiro de 2019 do Complexo Correcional Federal, Butner e foi enviado para uma casa de recuperação em Pittsburgh.
Protestos contra o local de sua colocação envolveram membros do Congresso em um esforço malsucedido para pressionar o Departamento Federal de Prisões a afastá-lo da família de Kozakiewicz, já que ele se encontrava perto de Alicia.
Em outubro de 2019, Scott Tyree foi devolvido à prisão por mais dois anos por violar os termos de sua liberdade condicional ao visitar sites pornográficos. Ele foi libertado da prisão mais uma vez em 22 de setembro de 2021.
Impacto social
Um ano após seu sequestro, aos 14 anos, Kozakiewicz fundou o Projeto Alicia. O Projeto é um grupo de defesa que aumenta a conscientização e fornece educação sobre tópicos como segurança na Internet para crianças, prevalência de predadores infantis online e sequestros.
Em 2007, ela testemunhou perante o Comitê Judiciário da Câmara a fim de aprovar a Lei Protect Our Children em defesa dos direitos das crianças vítimas de abuso. Em 2018, foi relatado que a Lei de Alicia ajudou na prisão de mais de 1.000 predadores online somente em Wisconsin.
O caso de Alicia, apesar de cruel e doloroso, se mostra resiliente assim como Alison Botha que sobreviveu a dezenas de facadas e não desistiu de lutar por sua vida.
Alicia atualmente é casada e obteve o diploma de bacharel em psicologia pela Point Park University. Em 2016, concluiu seu mestrado em psicologia forense e segue lutando para aprovar sua lei em mais Estados pelo país.